quinta-feira, 29 de julho de 2010

Quando você sabe que errar vale a pena!...

Uma breve despedida com base, em alguns trechinhos, num textinho que eu li algures e também não sei quem é o autor... Tudo aquilo que  costumamos vivenciar ou vislumbrar nos remete sempre a uma idéia basilar: a escolha!... Estamos a cada instante cercados de escolhas, porém nem sempre elas são favoráveis para todas as pessoas a nossa volta... Muitas vezes, nem nós mesmo que optamos por uma determinada escolha, não estamos convictos de que ela foi a melhor forma que tivemos para atingir ou seguir a Trilha certa de nossos objetivos!...

Finalmente, apenas você é quem sabe o quanto vale sonhar!... O valor de nossos sonhos somente nós sabemos: temos momentos agradabilíssimos; amigos inesquecíveis; acasos inexplicáveis..., e existem pessoas que nos interpretam muito mal, pouco importa!... Como já dizia o poeta: “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”...

Todos os meus erros foram por uma Causa Nobre!...

“Imaginem-me como uma parteira. Acompanhando o nascimento de alguém, sem exibição ou espalhafato... Minha tarefa foi facilitar o que estava acontecendo... Se devo assumir o comando, faço de tal modo que auxilio a mãe e deixo que ela continue livre e responsável... Quando nascer a criança, a mãe dirá com razão: nós três realizamos esse trabalho!...”

A finalidade deste blog foi recordar (= passar, de novo, pelo coração), de forma compartilhada num conjunto de convicções; posturas, caminhos e sonhos, acalentados e saboreados (de sapere = saber, degustar) na minha rica trajetória no Movimento Indígena; comprometida com os direitos Populares e com a Solidariedade, no TALHER: com a Educação Popular, e no Movimento da Economia Solidária, bem como na minha inesquecível trajetória acadêmica de compromisso com as Ciências Sociais e numa busca da metodologia eficaz na solução dos problemas sociais... Ufa!... Quantas decepções... 

Aqui tenho como objetivo pedir desculpas por todos os erros, por isso vou fechar para balanço geral e correção dos transtornos!...

Desculpa os erros e obrigada pela visita!...

O Estado deve ser responsável por dano ambiental

"Para a juíza Alessandra de Medeiros, a deterioração de uma área não afeta só aquela região e, sim, toda a comunidade internacional"...

Qual é a preocupação que o Estado dever ter perante um estrago ambiental? Esse é o tema do livro que a juíza federal, Alessandra de Medeiros Nogueira Reis acaba de lançar, pela Editora Campus Jurídico. “Responsabilidade Internacional do Estado por dano ambiental” analisa que, no atual panorama mundial, as catástrofes regionais ultrapassam fronteiras e afetam toda a sociedade.

A autora também foca as teorias na questão de que o Estado, por sua vez, tem o dever de reparar o prejuízo causado a outros países por atos errados, sem importar se há culpa ou não. O livro cita, ainda, que a poluição atmosférica ou marítima e a radiação nuclear de uma região podem atingir outras comunidades.

Alguns exemplos são mostrados e explicados no livro, como o caso de uma indústria canadense que expelia partículas que causavam chuva ácida em uma cidade norte-americana. Acordos como o Protocolo de Kyoto, assinado em 1997 no Japão, e encontros como a Conferência do Clima (COP15), em Copenhague, realizada no ano passado, reforçam esta preocupação dos Estados de se unirem para discutir sobre os problemas ambientais e encontrar soluções para, pelo menos, minimizar, efeitos como o aquecimento global e a poluição.



Responsabilidade Internacional do Estado por Dano Ambiental

Autora: Alessandra de Medeiros Nogueira Reis

Editora: Campus Jurídico

Origem: Nacional

Ano: 2010

FONTE: Planeta Sustentável

terça-feira, 29 de junho de 2010

Mundo em Transe...

... "Autor de 14 livros sobre sustentabilidade, José Eli da Veiga acredita que uma das travas ao debate claro sobre o ambiente – e portanto, às ações mais eficazes para sua preservação em escala mundial – vem de uma miopia inerente à economia clássica em sua forma de mensurar o crescimento e o bem-estar das nações

É provável que José Eli da Veiga sinta algum desconforto em meio a muitos de seus colegas na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), onde é professor titular e coordenador do Núcleo de Economia Socioambiental (NESSA). Autor de 14 livros sobre sustentabilidade e também pesquisador associado do Capability and Sustainability Centre da Universidade de Cambridge, Veiga acredita que uma das travas ao debate claro sobre o ambiente – e portanto, às ações mais eficazes para sua preservação em escala mundial – venha de uma miopia inerente à economia clássica em sua forma de mensurar o crescimento e o bem-estar das nações.

O pensamento econômico convencional continua preso à física do século XIX, ele postula, e à mecânica, da qual é oriundo por um sistema de analogias. “A proximidade com a mecânica impediu que o estudo do processo econômico fosse permeado pela atenção às relações biofísicas com seu entorno. Afinal, a metáfora mecânica na economia implica não reconhecer os fluxos de matéria e energia que entram e saem do processo, assim como a diferença qualitativa entre o que entra e o que sai”, escreve.

Embora o livro de Veiga seja dividido em quatro seções – que podem ser lidas isoladamente -, esta parece ser a idéia central de seu trabalho: a de que “instrumentos toscos” de aferição de desenvolvimento sustentável, como PIB e IDH, têm de passar a levar em conta o que é produtivo e o que é destrutivo. Ao não fazer distinções entre despesas que elevem ou rebaixem a condição humana, avalia ele, bem humorado, que o PIB só “passa por indicador de progresso para quem nunca tenha visitado sua cozinha”. O IDH, embora um índice mais avançado, e menos contaminado pelos conceitos do PIB criados a partir da riqueza pós-Segunda Guerra, tem o próprio PIB como um de seus componentes.

O panorama começou a mudar depois que o presidente francês Nicolas Sarkozy convidou dois prêmios Nobel de Economia, Joseph Stiglitz e Amartya Sen, para que oferecessem uma nova mensuração do desempenho econômico e do progresso social. Os dois montaram uma gigantesca força-tarefa, que se reuniu pela primeira vez em abril de 2008. O trabalho da comissão vem sendo extremamente fecundo em suas colaborações ao debate. Mas, “mesmo que tenham surgido muitas iniciativas de avaliação voltadas para a dimensão ambiental (ou que a incluem)”, escreve Veiga, “elas parecem ter aumentado a confusão, a ponto de existir uma espécie de nevoeiro intelectual sobre a mensuração da sustentabilidade (ambiental, ou do desenvolvimento)”.

A tarefa é certamente hercúlea, mas ela torna provável que em um futuro próximo haja convergência “para uma radical reformulação dos métodos de contabilidade nacional que faça emergir um indicador de progresso material que supere as inúmeras limitações do PIB. O que seria, de resto, uma das principais inovações institucionais do século XXI”.

Nos outros capítulos de seu rigoroso trabalho (de leitura difícil para os não familiarizados com economia), Veiga afirma que já existe uma excessiva pressão humana que não poderá ser aliviada por qualquer redução da intensidade-carbono da economia global. Ainda que não seja óbvia a possibilidade de compatibilizar a exigência de sustentabilidade com o anseio por crescimento. E que a necessidade de superar o crescimento econômico se coloque de forma muito diferente segundo o grau de desenvolvimento atingido.

Sóbrio em meio a catastrofismos ou a visões polianescas da situação do ambiente, Veiga adverte: “Os sinais que estão sendo emitidos pela comunidade internacional desautorizam a escolha de qualquer cenário otimista”.

É provável que José Eli da Veiga sinta algum desconforto em meio a muitos de seus colegas na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), onde é professor titular e coordenador do Núcleo de Economia Socioambiental (NESSA). Autor de 14 livros sobre sustentabilidade e também pesquisador associado do Capability and Sustainability Centre da Universidade de Cambridge, Veiga acredita que uma das travas ao debate claro sobre o ambiente – e portanto, às ações mais eficazes para sua preservação em escala mundial – venha de uma miopia inerente à economia clássica em sua forma de mensurar o crescimento e o bem-estar das nações.

O pensamento econômico convencional continua preso à física do século XIX, ele postula, e à mecânica, da qual é oriundo por um sistema de analogias. “A proximidade com a mecânica impediu que o estudo do processo econômico fosse permeado pela atenção às relações biofísicas com seu entorno. Afinal, a metáfora mecânica na economia implica não reconhecer os fluxos de matéria e energia que entram e saem do processo, assim como a diferença qualitativa entre o que entra e o que sai”, escreve.

Embora o livro de Veiga seja dividido em quatro seções – que podem ser lidas isoladamente -, esta parece ser a idéia central de seu trabalho: a de que “instrumentos toscos” de aferição de desenvolvimento sustentável, como PIB e IDH, têm de passar a levar em conta o que é produtivo e o que é destrutivo. Ao não fazer distinções entre despesas que elevem ou rebaixem a condição humana, avalia ele, bem humorado, que o PIB só “passa por indicador de progresso para quem nunca tenha visitado sua cozinha”. O IDH, embora um índice mais avançado, e menos contaminado pelos conceitos do PIB criados a partir da riqueza pós-Segunda Guerra, tem o próprio PIB como um de seus componentes.

O panorama começou a mudar depois que o presidente francês Nicolas Sarkozy convidou dois prêmios Nobel de Economia, Joseph Stiglitz e Amartya Sen, para que oferecessem uma nova mensuração do desempenho econômico e do progresso social. Os dois montaram uma gigantesca força-tarefa, que se reuniu pela primeira vez em abril de 2008. O trabalho da comissão vem sendo extremamente fecundo em suas colaborações ao debate. Mas, “mesmo que tenham surgido muitas iniciativas de avaliação voltadas para a dimensão ambiental (ou que a incluem)”, escreve Veiga, “elas parecem ter aumentado a confusão, a ponto de existir uma espécie de nevoeiro intelectual sobre a mensuração da sustentabilidade (ambiental, ou do desenvolvimento)”.

A tarefa é certamente hercúlea, mas ela torna provável que em um futuro próximo haja convergência “para uma radical reformulação dos métodos de contabilidade nacional que faça emergir um indicador de progresso material que supere as inúmeras limitações do PIB. O que seria, de resto, uma das principais inovações institucionais do século XXI”.

Nos outros capítulos de seu rigoroso trabalho (de leitura difícil para os não familiarizados com economia), Veiga afirma que já existe uma excessiva pressão humana que não poderá ser aliviada por qualquer redução da intensidade-carbono da economia global. Ainda que não seja óbvia a possibilidade de compatibilizar a exigência de sustentabilidade com o anseio por crescimento. E que a necessidade de superar o crescimento econômico se coloque de forma muito diferente segundo o grau de desenvolvimento atingido.

Sóbrio em meio a catastrofismos ou a visões polianescas da situação do ambiente, Veiga adverte: “Os sinais que estão sendo emitidos pela comunidade internacional desautorizam a escolha de qualquer cenário otimista”.
Por José Eduardo Mendonça

Planeta Sustentável – 12/01/2009
Fonte: Planeta Sustentável

segunda-feira, 28 de junho de 2010

O que é manejo florestal?

Manejo Florestal Sustentável compreende um conjunto de práticas de administração dos recursos florestais que visam a produção de produtos madeireiros e não madeireiros (frutos, resinas e óleos), conservando as florestas em pé. Numa área de manejo florestal típica, em um hectare de floresta (10.000 m²), existem cerca de 200 árvores adultas e mais de 1000 árvores jovens. A atividade de manejo compreende a colheita de 5 a 6 árvores por hectare a cada 30 hectare.

Florestas tropicais e subtropicais

O Brasil possui a maior reserva de florestas tropicais e subtropicais do planeta, abrigando uma infinidade de animais, plantas e recursos genéticos, além de imensa quantidade de madeiras. Mais da metade dessas florestas está em terras públicas, pertencentes à União, Estados e Municípios (na Amazônia, chegam a 75%), em unidades de conservação e terras indígenas, mas a maioria se constitui de "terras devolutas", sem regulamentação, tornando-se alvo de grilagem, ocupação ilegal, desmatamento e queimadas, trazendo sérios problemas ambientais, sociais e econômicos.

O Projeto de Lei sobre Gestão de Florestas Públicas, que regulamenta o uso de matas para produção sustentável em terras públicas, aprovado no último dia 2, cria o Serviço Florestal Brasileiro e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal, visa promover o manejo adequado de florestas, através do desenvolvimento tecnológico da região amazônica, prestação de assistência técnica e incentivo ao desenvolvimento florestal sustentável. Esta regulamentação irá permitir que o Governo Federal, através dos ministérios do Meio Ambiente, da Integração, do Desenvolvimento Agrário e da Indústria e Desenvolvimento e Comércio Exterior fortaleça o planejamento da produção local, bem como do crescimento da indústria florestal sustentável em todo o Brasil.

O que diz o Projeto

O PL 62/05, aprovado no último dia 2 de fevereiro, cria o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), como órgão regulador da gestão das florestas, com o objetivo de regulamentar a gestão de florestas em áreas públicas, que compreendem as áreas de domínio da união, estados e municípios. Cria o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal voltado para o desenvolvimento tecnológico, promoção da assistência técnica e incentivos para o desenvolvimento florestal sustentável. Regulamenta o uso sustentável nas florestas públicas do Brasil. Define três formas de gestão das florestas públicas para produção sustentável:

Criação de unidades de conservação que permitem a produção florestal sustentável (ex. Florestas Nacionais);

Destinação para uso comunitário como assentamentos florestais, reservas extrativistas, áreas quilombolas e Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS);

Concessões Florestais pagas, baseadas em processo de licitação pública, sendo que o mecanismo de concessão só é aplicado em uma determinada região após a definição das unidades de conservação e áreas destinadas ao uso comunitário. Além disso, o PL regulamenta o processo de concessão com os seguintes passos:

Inclusão das florestas no Cadastro Nacional de Florestas Públicas.

Preparação do Plano Anual de Outorga Florestal (PAOF) que define anualmente as áreas que poderão ser objeto de concessão. Para fazer o PAOF são excluídas as áreas destinadas a conservação e ao uso comunitário. O PAOF passará por consulta pública e será submetido à aprovação do Conselho Gestor de Florestas Públicas, que conta com a participação de representantes do governo e sociedade civil, incluindo pesquisadores, setor de produção, ONGs, movimentos sociais e governos estaduais. Aprovado o PAOF cada gleba será estudada em detalhes e divido em Unidades de Manejo para a licitação. Toda gleba que for submetida a licitação terá Unidades de Manejo pequenas, médias e grandes para garantir que o acesso a pequenos, médios e grandes produtores.

Licitação

Antes do processo de licitação as Unidades de Manejo deverão obter autorização prévia do IBAMA, garantindo que estas áreas são aptas para manejo florestal e definindo as atividades que podem ser aí incluídas (turismo, extração de produtos não madeireiros como óleos e resinas ou manejo de uso múltiplo incluindo madeira). A licitação será feita para cada Unidade de Manejo e o vencedor será definido com base em alguns critérios:

Melhor preço;

Menor impacto ambiental;

Maior benefício socioeconômico;

Maior eficiência;

Maior agregação de valor local.

As concessões não implicam em qualquer direito de domínio ou posse sobre as áreas manejadas. Elas simplesmente autorizam o manejo para exploração de produtos e serviços da floresta. Os contratos de concessão estabelecerão as regra para utilização da área bem como as regras para atualização de preços dos produtos e serviços explorados. Os contratos de concessão serão estabelecidos por prazos de até 40 anos dependendo do manejo a ser implementado. O prazo estará estabelecido no edital de licitação.

Quem ganhar a licitação, após a assinatura do contrato, deverá preparar um plano de Manejo Florestal Sustentável, de acordo com a legislação, que deverá ser apresentado ao IBAMA para aprovação antes do inicio das operações. Existem outras condições e salvaguardas das concessões:

Somente empresas e organizações constituídas no Brasil poderão concorrer às concessões;

Nenhuma empresa poderá deter mais de duas concessões por lote de concessão;

Será definido no Plano Anual de Outorga uma porcentagem máxima da área de concessão que um concessionário individualmente ou em consórcio poderá deter sob contrato de concessão;

Ao final de cinco anos da aplicação da lei será realizada uma avaliação geral do sistema de concessões.

O Monitoramento e a fiscalização das concessões serão realizados com a participação do IBAMA, que fará a fiscalização ambiental da implementação do Plano de Manejo Florestal Sustentável. O Serviço Florestal Brasileiro fará a fiscalização do cumprimento dos contratos de concessão. Adicionalmente será obrigatória uma auditoria independente das práticas florestais a pelo menos cada 3 anos.

Serviço Florestal Brasileiro

O Serviço Florestal Brasileiro criado pelo PL 4776/2005 atuará como órgão gestor do sistema de gestão de florestas públicas para fomentar o desenvolvimento florestal sustentável no Brasil e gerir o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal. Será um órgão autônomo da administração direta, na estrutura do Ministério do Meio Ambiente.

Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal (FNDF)

A receita da concessão de florestas públicas serão assim destinadas:

Até 20% para cobrir os custos do sistema de concessão, incluindo recursos para o Serviço Florestal Brasileiro e para o IBAMA realizar atividades de monitoramento e controle;

No mínimo 80% serão destinados para os locais onde se encontra a Floresta Pública, sendo 30% para os Estados, 30% para os Municípios e 40% para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal. No caso das Florestas Nacionais (Unidades de Conservação) 40% dos recursos são destinados ao IBAMA como gestor da Unidade de Conservação e o restante dividido eqüitativamente entre Estados, Municípios e o FNDF (20% cada). O FNDF será utilizado para promover o fomento e o desenvolvimento tecnológico das atividades florestais sustentáveis bem como atividades de monitoramento das florestas públicas.

Impacto & Resultados Esperados

Em dez anos a área máxima total sob concessão planejada será de 13 milhões de hectares (cerca de 3% da área da Amazônia), com uma receita anual direta (taxas pagas pelo uso do recurso florestal) de R$ 187 milhões e arrecadação de impostos da cadeia de produção de R$ 1,9 bilhões anuais. Serão gerados 140 mil empregos diretos.

FONTE : DOC PDF INTERNET

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Conexões Ocultas...

O físico austríaco Fritjof Capra conta a história do capitalismo e sua evolução até o mundo globalizado

ANÁLISE APURADA de Mariana Lacerda

Todas as formas de vida, das células mais primitivas, das estruturas mais simples entre plantas e insetos, até os seres humanos, se organizam seguindo padrões que têm em comum um único princípio básico: estamos todos ligados uns aos outros, vivemos em rede, em relações interdependentes. Tudo, em todas as dimensões biológicas, em todos os níveis, cada célula que pulsa em nosso corpo à vida social, depende do conjunto para se sustentar. E isso constitui a vida. O físico austríaco Fritjof Capra já defendia esta idéia ao escrever "O Ponto de Mutação" (1982) e "A Teia da Vida" (1996), livros que se tornaram referência no debate das principais questões da vida contemporânea e que varreram a história ocidental da ciência para mostrar que é preciso quebrar as bases da ciência moderna, pautada no sistema matemático cartesiano, para entender o quanto tem afetado a nossa saúde e, conseqüentemente, a saúde do planeta.

Em seu último livro, "As Conexões Ocultas, Ciência para uma Vida Sustentável" (2001), Capra deu mais um passo na sua crítica. Ela passou a não ser mais uma reflexão sobre a o passado e tornou-se uma análise apurada do presente. Apurada porque, com os olhos de pesquisador, ele conta a trajetória do capitalismo para mostrar como chegamos ao modelo atual de globalização, baseado em redes eletrônicas e fluxos de finanças e de informação cuja única meta é "a de elevar ao máximo a riqueza e poder de suas elites".

Tal idéia choca-se de frente com o conceito que ele defende: se compomos a teia da vida, se cada sistema vivo contribui para a sustentabilidade do todo, como pensar numa economia cujo princípio, em resumo, é o de que gerar capital deve ter precedência sobre todos os outros valores? Pergunta grande demais, cuja resposta de Capra está numa aproximação de que os fenômenos sociais e econômicos devem ser entendidos à luz do funcionamento mecânico da natureza.

Teórico de sistemas e físico pela Universidade de Viena, Fritjof Capra fundou o Centro de Eco-Alfabetização de Berkeley, na Califórnia. Professor do Schumacher College, um centro de estudos ecológicos da Inglaterra, passou parte de sua juventude numa fazenda austríaca, onde diariamente caminhava ao menos quatro quilômetros para pegar o trem no caminho à escola. "Fui criado com as motivações e os valores orientados no sentido da observação da natureza", disse ele certa vez, numa das tantas entrevistas que deu quando esteve no Brasil, em 2003 (em palestras organizadas pelo Ministério do Meio Ambiente).

Foi na década de 70, quando já trabalhava em seu primeiro livro, "O Tao da Física" (1975), que Capra intuiu que seria possível usar a física quântica para entender modelos sociais e econômicos. Não estava sozinho. Suas idéias seguem as linhas do físico alemão Werner Heisenberg (1901-1976), co-fundador da física quântica e uma de suas principais inspirações.

Por que as disciplinas acadêmicas se organizaram de tal modo que as ciências naturais lidam apenas com a matéria, enquanto as sociais buscam explicar as estruturas sociais? Ou, em outras palavras: porque as bases da economia e da política ignoram o funcionamento da natureza? Eis a questão. "Os princípios sobre os quais se erguerão as nossas futuras instituições sociais terão de ser coerentes com os princípios de organização que a natureza fez evoluir para sustentar a teia da vida. Para tanto, é essencial que se desenvolva uma estrutura conceitual unificada para a compreensão das estruturas materiais e sociais", escreveu Capra. Os esboços e as reflexões do que pode ser esta nova organização social, baseada nas leis naturais, e a urgência que ela se faça presente face aos dados atuais de pobreza, fome e destruição da natureza, é o grande tema de "As Conexões Ocultas".

(FONTE: Planeta Sustentável)

domingo, 11 de abril de 2010

Um trilhão de dólares para salvar o planeta

As mudanças climáticas


Foi a pedido do então ministro de Finanças da Inglaterra, Gordon Brown, que o ex-economista-chefe do Banco Mundial, Nicholas Stern, fez o mais abrangente estudo sobre o impacto das mudanças climáticas no planeta: “A Blueprint for a Safer Planet”.

Por Felipe Carneiro

Guia Exame de Sustentabilidade 2009

Em 2006, o Relatório Stern foi publicado e imediatamente se tornou a maior referência no mundo sobre o impacto econômico de uma espécie de pane ambiental.

Agora, três anos depois, Stern adaptou o relatório para uma linguagem mais acessível no livro A Blueprint for a Safer Planet (em português, “Um projeto para um planeta mais seguro”). Para evitar o pior, segundo ele, as emissões globais de gases de efeito estufa devem cair à metade até 2050. A boa notícia é que, do ponto de vista econômico, o trabalho é perfeitamente viável. Stern acredita que um investimento de 2% do PIB global por ano — equivalente a 1 trilhão de dólares — seja suficiente para bancar pesquisas para desenvolver as tecnologias necessárias para atingir a meta. “Parece caro, mas outra maneira de ver a situação é que esse custo adiaria só por seis meses o atingimento do mesmo nível de renda que alcançaríamos em 2050 sem esses investimentos”, diz.

O livro fala pouco do Brasil, mas adverte que o desmatamento da Amazônia é o grande desafio da política ambiental no país. A pressão internacional para controlar o problema, segundo ele, só vai crescer. Mais animadora é a análise de Stern sobre a situação da China, recordista mundial em emissão de gases causadores do efeito estufa. Segundo ele, os chineses sabem que nenhum acordo global faz sentido sem sua presença, por isso estão se preparando para fazer concessões.

Em 2006, o Relatório Stern foi publicado e imediatamente se tornou a maior referência no mundo sobre o impacto econômico de uma espécie de pane ambiental.

 
(FONTE: Planeta Sustentável)

quinta-feira, 18 de março de 2010

Há cerca de 20 anos Nietta Lindeberg enfretou os sinringalistas e os fazendeiros do Acre


Junto com seus alunos, ela participou da construção dos primeiros livros de autoria indígena, das pioneiras reuniões com lideranças da região para identificação das terras dos índios e para organização das cooperativas de borracha.

Hoje, com um pé no Rio de Janeiro e outro no Acre, Nietta se mantém ligada às organizações não governamentais do resto do País, ao mesmo tempo que se dedica ao trabalho na Ong Comissão Pró-Índio e ao Projeto do Acre para formação de professores. Conhecido como “Uma Experiência de Autoria”, o Projeto do Acre é responsável por uma fértil produção de materiais didáticos e paradidáticos de grande qualidade estética e literária.

Os professores indígenas envolvidos no denberg Monte se “embrenhou na floresta”, como diz ela mesma. Foi atrás de um grupo de antropólogos e indigenistas que, no início dos anos 80, criaram no País as primeiras organizações não governamentais, de cunho socioambientalista, dispostas a dar assessoria antropológica e política aos movimentos sociais.

Formada em Letras, mestre em Educação, e com muita experiência em formação de professores na área de língua e literatura, lá se foi Nietta coordenar o I Curso de Formação de Professores Indígenas do Acre e Sudoeste do Amazonas. “Eram tempos de agonia da ditadura e dos primeiros lampejos de democracia no País. Começava a luta pela demarcação das terras indígenas e pela libertação dos vínculos de submissão com os seringalista e os fazendeiros da região”,

Junto com seus alunos, ela participou da construção dos primeiros livros de autoria indígena, das pioneiras reuniões com lideranças da região para identificação das terras dos índios e para organização das cooperativas de borracha.

Os professores indígenas envolvidos no projeto são autores de livros, fazem documentários em vídeos e gravações em fitas-cassete. Nos vídeos e nas fitas Cassete são registrados, por exemplo, os cantos de trabalho, de diversão e vários rituais. É um recurso que permite a comunidade indígena se ver, se valorizar e mostrar sua tradição para gerações mais novas. “Tenho muito orgulho de ter vinculado minha história de vida à experiência profissional no Acre”, diz Nietta.

Seu trabalho, juntamente com outros poucos no Brasil, deu início a uma nova forma de fazer e pensar a educação indígena baseada na diversidade, bem ao contrário da ndência histórica, que sempre foi a unificação e homogeneização lingüística e cultural.

Convidada para coordenar o trabalho de construção do Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNE/I), documento do MEC que está sendo distribuído para todas as escolas indígenas do País, Nietta desta vez se embrenhou na Internet, onde manteve comunicação virtual com vários educadores de diversas regiões do País.

“O texto do RCNE/I resulta não só de um sonho, mas de uma ação guerreira de escritura ”, diz. Durante “meses de insônia, labuta e memorável tensão”, como conta, Nietta teve a missão de juntar dados, chegar a um consenso de idéias e imprimir a diversidade na igualdade para fazer valer os princípios da pluralidade cultural.

O Referencial, segundo Nietta, “é um guia de orientação, um texto de subsídio, formativo e informativo, para que estados e municípios possam inteirar-se, respeitar e incentivar a nova política pública atualmente em vigor para as escolas indígenas, a partir de um marco jurídico expresso na Constituição e na LDB”.
De Rio Branco (AC), ela respondeu – via computador – à pergunta feita pela revista Presença Pedagógica.

PP: Olhando para atrás, como foi a educação escolar indígena no Brasil ao longo do tempo?

Nietta: A educação escolar praticada no Brasil, não só com os índios, mas com qualquer grupo de menor poder e prestígio, tinha – e ainda tem – um amplo potencial de domesticação e subserviência que vai desde a submissão ao saber até o poder do professor.

Esse tipo de educação, entre outras práticas sociais de igual violência simbólica, provocou a rejeição e a resistência dos índios e levou à perda de línguas e de muitos aspectos importantes da cultura.

A educação indígena sempre refletiu de forma coerente o macroprojeto nacional, que deixa clara a impossibilidade do plural, já que é baseado na unificação das diferenças pela hegemonia e no silenciamento da diversidade na unidade. Como resultado, temos a perda da memória humana e coletiva de muitas sociedades indígenas. A estimativa é que, no Brasil, cerca de 1.000 línguas indígenas desapareceram em quase cinco séculos. Mostramos com isso nossa incapacidade de construir uma sociedade mais ética e respeitosa. Basta lembrar dos atos de violência coletiva e individual cometidos contra índios, negros e outros grupos marginalizados da sociedade brasileira ao longo dos anos.


Entrevista concedida a Rosângela Guerra.
v.5 n.26 • mar./abr. 1999 • PRESENÇA PEDAGÓGICA • 5
Fonte: Internet - arquivo PDF

domingo, 17 de janeiro de 2010

Biodiversidade e as teorias conservacionistas...


A biodiversidade, na maioria dos trabalhos sobre o tema, aparece como "a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas". (CDB, art. 2o). Essa variabilidade é entendida como produto da própria natureza, sem a intervenção humana. A preocupação deste estudo é mostrar que a biodiversidade não é só um produto da natureza, mas em muitos casos é produto da ação das sociedades e culturas humanas, em particular das sociedades tradicionais não-industriais. É também uma construção cultural e social, como afirmado antes. As espécies vegetais e animais são objeto de conhecimento, domesticação e uso, fonte de inspiração para mitos e rituais das sociedades tradicionais, e finalmente, mercadoria nas sociedades modernas.

Os conservacionistas/preservacionistas e também a Convenção sobre a Diversidade Biológica enfatizam as áreas protegidas de uso indireto (parques nacionais, reservas biológicas, etc.) como locais privilegiados para o estudo e a conservação da biodiversidade. Como essas áreas, por lei, não admitem moradores, reforça-se o argumento de que a biodiversidade não só é um produto natural, como sua conservação pressupõe a ausência e mesmo a transferência de populações tradicionais de seu interior.

As áreas protegidas brasileiras, em particular as de uso indireto, no entanto, encontram-se em crise; muitas são invadidas e degradadas. Para os defensores do modelo norte-americano de parques sem moradores, as razões de tal crise, em geral, estão relacionadas à falta de dinheiro para a desapropriação, de investimento público, de fiscalização e de informação aos visitantes. Para os que defendem outras alternativas de conservação, essas dificuldades são inerentes ao modelo atual predominante nas áreas protegidas, uma vez que, tendo sido criado no contexto ecológico e cultural norte-americano, não se aplica ao contexto dos países tropicais do Sul.

Porém, esse modelo operacional não foi importado sozinho; vieram com ele uma visão da relação entre sociedade e natureza e um conjunto de conceitos científicos que passaram a nortear a escolha da área, o tipo de unidade de conservação o manejo e a gestão.

O modelo de área protegida de uso indireto em vigor, que não permite moradores mesmo tratando-se de comunidades tradicionais presentes em gerações passadas, parte do princípio de que toda relação entre sociedade e natureza é degradadora e destruidora do mundo natural e selvagem _ a wilderness norte-americana _ sem que sejam feitas quaisquer distinções entre as várias formas de sociedade (a urbano-industrial, a tradicional, a indígena, etc.). Assim, todos os modos de vida deverão estar fora das áreas protegidas.

No início, essas áreas de grande beleza cênica foram destinadas, em especial, ao desfrute da população das cidades norte-americanas que, estressadas pelo ritmo crescente do capitalismo industrial, tentavam encontrar no mundo selvagem a ` salvação da humanidade ', conforme a visão romântica e transcendentalista de seus propositores, entre eles John Muir e Thoreau. Predominava, portanto, uma visão estética da natureza, cuja difusão muito se credita a filósofos e artistas.

 


(Bráulio Ferreira de Souza Dias - Diretor do Programa Nacional - Ministério do Meio Ambiente)

domingo, 10 de janeiro de 2010

Aprender e Poder: escola e escrita na aldeia Kamikuã

 I

O presente trabalho pretende ser um exercício de análise dos dados colhidos entre 1996 e 1998 nas visitas feitas a aldeia Kamikuã, habitada por índios Apurinã e localizada às margens do Baixo Purús, no município de Boca do Acre, sudoeste do Amazonas. Entre tantos outros recortes possíveis, optei por falar desta “comunidade” através das relações e representações relativas ao campo da escrita e da escola.

Neste sentido, após fazer um esforço de localização histórica das famílias que compõem este grupo, partirei para a abordagem de alguns pontos fundamentais sobre a questão em foco. Primeiro, discutirei como a escola e o domínio do letramento são apropriados em termos de relação de poder, tanto entre os membros da “comunidade” quanto entre esta e os brancos (governo, ongs, redes regionais de relações...). Em um segundo momento, abordarei os dilemas que envolvem a escola como lugar de mudança (ou sua possibilidade) e as relações familiares como lugar da continuidade. A seguir, falarei sobre as representações acerca das aulas, tentando mostrar que talvez haja mais de ritual nas suas atividades do que realmente de aprendizado das habilidades de ler, escrever e calcular. Esta questão, suscitará problemas em relação à escrita e leitura, sua significação, valor e usos, que serão tratados na parte final.

II

A Comunidade. Será Comunidade?

As famílias reunidas hoje na Área Indígena Camicuã, formada a partir da demarcação das terras em 1988 são todas descendentes de falantes da língua Apurinã -pertencente ao tronco Arawak (apesar de haver alguns “brancos” vivendo na área, principalmente mulheres casadas com índios). Entretanto, hoje, muitos entre eles não dominam esta língua, apenas a entendem.

A primeira família a “abrir” esta aldeia próxima a cidade de Boca do Acre foi a de Seu João Gonçalves (falecido em 1994), pai da liderança Francisco Gonçalves, que anteriormente vivia no “centro” , como conta Dona Auricélia (mãe de Francisco) :

“Eu já tinha três filhos quando vim pra cá...porque eu queria que meus filhos estudasse, né? Francisco, Creuza, Edvandro. Aí nós moramo na terra que meu pai fez uma casinha pra nós, né, aí meus filhos estudaram...” (Auricélia Gonçalves, 1996)

Em torno deste núcleo se formou, há mais ou menos quatro anos, a igreja do Santo Daime localizada na aldeia e ligada ao centro daimista do Céu do Mapiá (situado mais a baixo, em um afluente do Purús). Outro subgrupo importante é o dos freqüentadores da Assembléia de Deus, que também têm uma igreja na aldeia, e é representado pela família de Dona Olinda. Este é o núcleo a que pertence a professora, sua neta, e o professor, cunhado desta. Percebe-se, portanto, que as principais “autoridades” da aldeia, a liderança e o professor, fazem parte cada um de um grupo diferente. Essas duas “famílias” são as mais antigas da localidade (estão lá há mais ou menos 20 anos), e se distinguem das famílias que chegaram mais recentemente , pela localização (na parte alta da terra firme) e construção de suas casas (tábuas de madeira lisa, separação dos cômodos, telhado de zinco...), . Os habitantes mais novos moram principalmente na parte intermediária entre o rio e o platô superior, suas casas são de paxiúba e cobertas de palha, a maioria é falante da língua indígena e tem pouco contato com a cidade. Excetuando a família de Seu Narciso que, apesar de ter as casas parecidas com as da parte baixa, e serem novos na aldeia, frequenta a igreja do Daime, as outras famílias “de baixo” e “do lago” , são católicos (as crianças vão todo sábado ao catecismo em uma vila próxima).

Foi meu intuito falar dessas famílias para demonstrar a heterogeneidade da “comunidade”, em termos religiosos, lingüísticos, culturais, espaciais e em relação ao tempo de convivência com os demais habitantes da aldeia e com os “brancos”. É, portanto, a partir dessa rede complexa de relações e visões de mundo que irei tratar da escola e do letramento. Neste sentido, o termo “comunidade”, extensamente utilizado não só nas diversas pesquisas sobre grupos indígenas, como também, especificamente nos que se voltam para a questão da educação escolar indígena, não se enquadra bem na realidade em questão, pois pressupõe uma homogeneidade cultural e unidade de interesses que não condiz com a extrema diversidade reunida nestas terras.

Cabe aqui uma comparação com dois trabalhos etnográficos que enfatizam a escola indígena e sua relação com a “comunidade”, o de Peter Gow sobre os Piro e o de Laura Rival sobre os Huaorani. Em ambos a “comunidade ” é considerada uma instituição central para tratar-se da organização social. Enquanto Gow ressalta a importância do termo “Comunidade Nativa” nos discursos nativos sobre o seu povo e sua relação com a terra., Rival assim a identifica: “...la comunidad existe como um cuerpo integrado y constituído através de la escuela” (p. 385), e esta metáfora do corpo é reafirmada pelo fato de as pessoas compartilharem o mesmo alimento (caça, farinha...), o que é símbolo de identidade entre membros de um mesmo “nanicaboiri” . Em Camicuã, ao contrário, o que parece ser concebido como um “corpo integrado” ,ou grupo de pessoas que reparte a mesma comida e compartilha a mesma fé, são as “famílias” representadas pelos núcleos citados anteriormente. A partir daí, podemos nos perguntar como seria a relação entre os habitantes da aldeia e a escola, em meio a essas disputas, diferentes valores e jogos de poder.

III

Poder: Ler e  Escrever...

Logo que aprofundamos um pouco mais o conhecimento sobre as questões envolvidas em “aprender a ler, escrever e calcular”, nos deparamos com interesses individuais ou coletivos que passam pelo desenvolvimento dessas habilidades e vão além delas. Um dos objetivos neste aprendizado, como bem lembra Cavalcanti, é o “deciframento” do branco, ou seja, há uma necessidade de conhecer seus códigos (os escritos como também outros) para o estabelecimento de uma relação mais favorável com esses: “Por trás da escrita estava o mistério da sua técnica (mais uma do mundo dos brancos) e por trás dessa técnica a possibilidade de uma forma de acionamento concreto de poder.” (Cavalcanti, p.98) Hoje em dia , essas relações acontecem , não só no contato local com a FUNAI, Prefeitura, FNS, comerciantes e para resolução de questões práticas como assistência médica, produção e comércio, aposentadorias, etc, como também na relação com a política indígena nacional, com projetos governamentais e não governamentais, etc. Devido aos diversos graus e formas de contato relativo às variadas inserções possíveis na sociedade local ou nacional, cada indivíduo ou grupo experimenta esse contato e essa necessidade de “deciframento” de forma diferente. Desde o pessoal do lago que vai raramente à cidade e tem contato somente com comerciantes e profissionais de saúde , até o professor que é funcionário da Prefeitura e tem o segundo grau ( estudou desde a 5a série na cidade) e a liderança que está sempre viajando para encontros em diversas partes do país e procurando se atualizar cultural e politicamente, há uma grande distância, que comporta vários graus de contato com a escrita.

Essas novas possibilidades de “poder” que apareceram nos últimos tempos coloca um dilema para os mais jovens. A todo momento, nos mais variados discursos, percebemos o estabelecimento da relação entre o aprendizado escolar e “mudar de vida”. Os adultos sempre expressam sua vontade em os filhos estudarem para ser alguém na vida , o que na prática significa arranjar um bom trabalho na cidade, ou na FUNAI, ou mesmo, na aldeia, como agente de saúde ou professor. E, os jovens que estudam na cidade, justificam seu esforço de cruzar todas as noites o rio para ir à escola através da esperança de “encontrar trabalho”.

Há sempre uma oposição estabelecida entre o trabalho assalariado e o trabalho no roçado. O estudo é a única forma de se deixar o trabalho braçal do plantio Este conflito é observado quando, por uma lado, há a expectativa de os filhos estudarem e serem “alguém na vida”, e, por outro , há a realidade do casamento destes e a formação de uma nova família. Como assinala Gow ao se referir aos Piro: “They thus face a complete contradiction between continuing their education and being adult”... “The passage to secondary education is marked by a conflict between the immediate entry into the world of work and sexuality (through wage work for man or pregnancy for women) and a delayed entry leading to well-paid work as a teacher” (p. 234,235) Um caso exemplar é o de Letícia, moça que era o orgulho dos pais, já estava estudando na cidade e “prometia”dar um “futuro melhor” a eles, mas no ano pasado engravidou (e por isso foi expulsa de casa pela mãe). Largou a escola e passou a ter a vida que as mulheres Apurinã sempre seguiram: cuidar dos filhos , da casa e trabalhar na roça, atividades que em nenhum momento incluem a escrita e que são incompatíveis com a continuidade da educação escolar. No caso dos rapazes, o conflito está entre a continuação dos estudos e a possibilidade de “mudar de vida”, por um lado, e, por outro, a dedicação maior ao trabalho e à nova família, o que lhes fará adultos. Geralmente, eles acabam optando pelo segundo caminho. Percebemos, portanto, que a idéia de “mudança”, e de “ser alguém” pertence ao domínio do discurso, enquanto na prática há uma continuidade.

Outro ponto importante se refere ao lugar, na organização social atual, do poder dos mais velhos ao lado do poder dos jovens que está ligado ao domínio dos códigos dos “brancos” e do desenvolvimento das relações com o mundo “externo” à aldeia. Esse conflito parece não ser apenas um fenômeno encontrado em Camicuã, posto que é assinalado também por Gow : “Older man who were chiefs at this period did not become schoolteachers, and subsequently lost out in the competition for power with those teachers” (p.52) ; e por Rival: “...la escolarización formal reemplaza la autoridad de los abuelos.” (p. 358). Há uma coexistência entre o poder dos velhos, talvez mais ligado às relações “internas” à aldeia, e o dos mais novos, que estão a frente nas relações com o “exterior”. O poder daqueles está relacionado ao saber da tradição e da experiência de vida enquanto o destes últimos está relacionado ao saber do “branco”. O professor da escola local comentou certa vez que “o que não sabe precisa do que sabe”, mas que “o poder ainda é dos velhos”. Talvez possamos, a partir daí, pensar na existência paralela (e às vezes transversal) deste plano que inclui a escrita e funciona no plano “exterior” e, do plano das atividades que passam ao largo dessa, que são as que cotidianamente são realizadas na aldeia (plano “interno”). Neste quadro cabe ainda ressaltar um fator importante, de influência recente, que é o recebimento das aposentadorias por parte dos velhos, o que lhes dá prestígio junto às suas famílias por poderem ter acesso a alimentos e roupas.

Segundo Gow, a escola, como também, no caso dos Piro a Comunidad Nativa, são idiomas poderosos na sua organização social porque são, simultaneamente, sobre o parentesco e diferente dele (p.203). Penso ser esta idéia útil para pensar Camicuã, mas devemos adaptá-la à realidade em questão (ou à nossa visão sobre ela). No caso, pelas características descritas anteriormente, a escola poderia ser também considerada um idioma, mas de disputas de poder e confrontos da diversidade. Como ressalta Cavalcanti: “A escola, como instituição, é posta e vista mais nitidamente num lugar que nós designaríamos como político.”... “o fato de o seu funcionamento ser, por exemplo, tão vulnerável ao circuito da fofoca, ao mecanismo da inveja e às disputas faccionais parece-me tão simplesmente uma evidência disso” (p.120).

Assim, observamos que as críticas à escola nunca passam pelo seu lado institucional, mas são sempre centradas no professor. A questão da limpeza é um dos principais motivos de reclamação, e retrata bem o lugar da escola (ou sua falta de lugar) na “comunidade”. Muitas pessoas reclamam que o professor não cuida da escola, que ela está sempre suja, que ele não limpa o mato a sua volta (como é costume fazer em torno das casas – e o que as distingue da floresta, onde o mato toma todo o espaço), colocando, desta forma, o professor como “dono” da escola, seu único responsável Este, por outro lado, reclama que as pessoas não cuidam da escola, que a sujam .

Também, podemos perceber características das relações sociais através da observação das questões que envolvem a merenda escolar enviada à escola pelo governo. Por exemplo, sempre se fala na necessidade da contratação de uma servente que se responsabilizaria pela limpeza e pela merenda. Para o professor essa reivindicação se justifica principalmente pela possibilidade de contratação de sua irmã, o que fortaleceria ainda mais o seu núcleo familiar. Para os demais, este fato seria mais um passo para seu reconhecimento enquanto “civilizados” , pois além de ajudar na limpeza, também assemelharia ainda mais a escola local à da cidade.

IV

O “ritual” escolar

A escola e a escrita podem significar algo muito diferente do aprendizado de capacidades técnicas como ler, escrever e contar, como nós as percebemos . Durante o período que passei observando as atividades escolares e também as pessoas em relação a escola, vários fatos me levaram a pensar que se quisermos achar em Camicuã um “espírito escolar”, ou melhor, uma forma de se pensar a escola nos termos como estamos acostumados a definir este tipo de instituição, não caminharemos no sentido de compreender as representações “nativas” sobre ela. O mesmo podemos dizer sobre a escrita. Se quisermos abordar o seu lugar na comunidade e nos limitarmos apenas ao seu valor enquanto técnica, estaremos deixando de fora grande parte do que ela possa representar. Rival expressa a percepção de quadro semelhante entre os Huaorani: “Los habitantes de las aldeas se muestram más interessados en las escuelas en cuanto instituiciones...