quinta-feira, 18 de março de 2010

Há cerca de 20 anos Nietta Lindeberg enfretou os sinringalistas e os fazendeiros do Acre


Junto com seus alunos, ela participou da construção dos primeiros livros de autoria indígena, das pioneiras reuniões com lideranças da região para identificação das terras dos índios e para organização das cooperativas de borracha.

Hoje, com um pé no Rio de Janeiro e outro no Acre, Nietta se mantém ligada às organizações não governamentais do resto do País, ao mesmo tempo que se dedica ao trabalho na Ong Comissão Pró-Índio e ao Projeto do Acre para formação de professores. Conhecido como “Uma Experiência de Autoria”, o Projeto do Acre é responsável por uma fértil produção de materiais didáticos e paradidáticos de grande qualidade estética e literária.

Os professores indígenas envolvidos no denberg Monte se “embrenhou na floresta”, como diz ela mesma. Foi atrás de um grupo de antropólogos e indigenistas que, no início dos anos 80, criaram no País as primeiras organizações não governamentais, de cunho socioambientalista, dispostas a dar assessoria antropológica e política aos movimentos sociais.

Formada em Letras, mestre em Educação, e com muita experiência em formação de professores na área de língua e literatura, lá se foi Nietta coordenar o I Curso de Formação de Professores Indígenas do Acre e Sudoeste do Amazonas. “Eram tempos de agonia da ditadura e dos primeiros lampejos de democracia no País. Começava a luta pela demarcação das terras indígenas e pela libertação dos vínculos de submissão com os seringalista e os fazendeiros da região”,

Junto com seus alunos, ela participou da construção dos primeiros livros de autoria indígena, das pioneiras reuniões com lideranças da região para identificação das terras dos índios e para organização das cooperativas de borracha.

Os professores indígenas envolvidos no projeto são autores de livros, fazem documentários em vídeos e gravações em fitas-cassete. Nos vídeos e nas fitas Cassete são registrados, por exemplo, os cantos de trabalho, de diversão e vários rituais. É um recurso que permite a comunidade indígena se ver, se valorizar e mostrar sua tradição para gerações mais novas. “Tenho muito orgulho de ter vinculado minha história de vida à experiência profissional no Acre”, diz Nietta.

Seu trabalho, juntamente com outros poucos no Brasil, deu início a uma nova forma de fazer e pensar a educação indígena baseada na diversidade, bem ao contrário da ndência histórica, que sempre foi a unificação e homogeneização lingüística e cultural.

Convidada para coordenar o trabalho de construção do Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNE/I), documento do MEC que está sendo distribuído para todas as escolas indígenas do País, Nietta desta vez se embrenhou na Internet, onde manteve comunicação virtual com vários educadores de diversas regiões do País.

“O texto do RCNE/I resulta não só de um sonho, mas de uma ação guerreira de escritura ”, diz. Durante “meses de insônia, labuta e memorável tensão”, como conta, Nietta teve a missão de juntar dados, chegar a um consenso de idéias e imprimir a diversidade na igualdade para fazer valer os princípios da pluralidade cultural.

O Referencial, segundo Nietta, “é um guia de orientação, um texto de subsídio, formativo e informativo, para que estados e municípios possam inteirar-se, respeitar e incentivar a nova política pública atualmente em vigor para as escolas indígenas, a partir de um marco jurídico expresso na Constituição e na LDB”.
De Rio Branco (AC), ela respondeu – via computador – à pergunta feita pela revista Presença Pedagógica.

PP: Olhando para atrás, como foi a educação escolar indígena no Brasil ao longo do tempo?

Nietta: A educação escolar praticada no Brasil, não só com os índios, mas com qualquer grupo de menor poder e prestígio, tinha – e ainda tem – um amplo potencial de domesticação e subserviência que vai desde a submissão ao saber até o poder do professor.

Esse tipo de educação, entre outras práticas sociais de igual violência simbólica, provocou a rejeição e a resistência dos índios e levou à perda de línguas e de muitos aspectos importantes da cultura.

A educação indígena sempre refletiu de forma coerente o macroprojeto nacional, que deixa clara a impossibilidade do plural, já que é baseado na unificação das diferenças pela hegemonia e no silenciamento da diversidade na unidade. Como resultado, temos a perda da memória humana e coletiva de muitas sociedades indígenas. A estimativa é que, no Brasil, cerca de 1.000 línguas indígenas desapareceram em quase cinco séculos. Mostramos com isso nossa incapacidade de construir uma sociedade mais ética e respeitosa. Basta lembrar dos atos de violência coletiva e individual cometidos contra índios, negros e outros grupos marginalizados da sociedade brasileira ao longo dos anos.


Entrevista concedida a Rosângela Guerra.
v.5 n.26 • mar./abr. 1999 • PRESENÇA PEDAGÓGICA • 5
Fonte: Internet - arquivo PDF