domingo, 17 de janeiro de 2010

Biodiversidade e as teorias conservacionistas...


A biodiversidade, na maioria dos trabalhos sobre o tema, aparece como "a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas". (CDB, art. 2o). Essa variabilidade é entendida como produto da própria natureza, sem a intervenção humana. A preocupação deste estudo é mostrar que a biodiversidade não é só um produto da natureza, mas em muitos casos é produto da ação das sociedades e culturas humanas, em particular das sociedades tradicionais não-industriais. É também uma construção cultural e social, como afirmado antes. As espécies vegetais e animais são objeto de conhecimento, domesticação e uso, fonte de inspiração para mitos e rituais das sociedades tradicionais, e finalmente, mercadoria nas sociedades modernas.

Os conservacionistas/preservacionistas e também a Convenção sobre a Diversidade Biológica enfatizam as áreas protegidas de uso indireto (parques nacionais, reservas biológicas, etc.) como locais privilegiados para o estudo e a conservação da biodiversidade. Como essas áreas, por lei, não admitem moradores, reforça-se o argumento de que a biodiversidade não só é um produto natural, como sua conservação pressupõe a ausência e mesmo a transferência de populações tradicionais de seu interior.

As áreas protegidas brasileiras, em particular as de uso indireto, no entanto, encontram-se em crise; muitas são invadidas e degradadas. Para os defensores do modelo norte-americano de parques sem moradores, as razões de tal crise, em geral, estão relacionadas à falta de dinheiro para a desapropriação, de investimento público, de fiscalização e de informação aos visitantes. Para os que defendem outras alternativas de conservação, essas dificuldades são inerentes ao modelo atual predominante nas áreas protegidas, uma vez que, tendo sido criado no contexto ecológico e cultural norte-americano, não se aplica ao contexto dos países tropicais do Sul.

Porém, esse modelo operacional não foi importado sozinho; vieram com ele uma visão da relação entre sociedade e natureza e um conjunto de conceitos científicos que passaram a nortear a escolha da área, o tipo de unidade de conservação o manejo e a gestão.

O modelo de área protegida de uso indireto em vigor, que não permite moradores mesmo tratando-se de comunidades tradicionais presentes em gerações passadas, parte do princípio de que toda relação entre sociedade e natureza é degradadora e destruidora do mundo natural e selvagem _ a wilderness norte-americana _ sem que sejam feitas quaisquer distinções entre as várias formas de sociedade (a urbano-industrial, a tradicional, a indígena, etc.). Assim, todos os modos de vida deverão estar fora das áreas protegidas.

No início, essas áreas de grande beleza cênica foram destinadas, em especial, ao desfrute da população das cidades norte-americanas que, estressadas pelo ritmo crescente do capitalismo industrial, tentavam encontrar no mundo selvagem a ` salvação da humanidade ', conforme a visão romântica e transcendentalista de seus propositores, entre eles John Muir e Thoreau. Predominava, portanto, uma visão estética da natureza, cuja difusão muito se credita a filósofos e artistas.

 


(Bráulio Ferreira de Souza Dias - Diretor do Programa Nacional - Ministério do Meio Ambiente)

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