quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Um Olhar Indígena

                 As concepções setecentistas da territorialidade e da fronteira indígenas são analisadas inicialmente em sua relação com a idéia de "nação" presente no discurso colonial português e, posteriormente, nas situações de independência e formação dos Estados-nação. O artigo, constituído no quadro do diálogo entre a Antropologia e a História, propõe uma abordagem da territorialidade e da fronteira enquanto categorias culturais.

                       Essa idéia explica a metáfora do olhar distanciado. Esse olhar não se localiza em nenhum lugar privilegiado. Daí decorre uma tarefa conferida aos antropólogos, na medida em que se preocupem em caracterizar a noção de humanidade: descrever o grupo de transformações que a deixa invariante. É papel do antropólogo descrever, livre de um sistema de referência particular, o grupo de transformações que expressaria — ao exibir as possibilidades do espírito humano a posteriori — uma construção precisa da noção de humanidade, sem apelo a um sujeito transcendental.
                    Havia uma ambição platônica na busca sistemática de invariantes anatonômicos a que se devotaram os grandes naturalistas do século XIX após Cuvier e Goethe. Os biólogos modernos deixam às vezes de fazer justiça ao gênio dos homens que, por trás da variedade impressionante de morfologias e modos de vida de seres vivos, conseguiram identificar, se não uma "forma única", pelo menos um numero finito de arquétipos anatômicos, cada um dos quais invariante no interior do grupo que caracteriza .
                    Foi precisamente nessa tradição de busca da forma como invariante no interior de um grupo de transformações que D’Arcy Thompson escreveu sua obra já mencionada, que o soviético Vladimir Propp analisou centenas de contos populares russos, e que Lévi-Strauss escreveu as Estruturas elementares do parentesco e as Mitológicas.
                   Convém, antes de passar às implicações mais gerais desse programa, ressaltar a atitude face da multiplicidade e da identidade que nele estão contidas. A identidade não é dita de objetos ou de substâncias. Ela relaciona-se a propriedades relacionais. A definição de Weyl para simetria é a de algo que podemos fazer a uma coisa (uma transformação), conservando algo. Descrever a identidade de um objeto é então equivalente a descrever suas simetrias, isto é, o grupo de transformações a que pertence.
                  Para Leibniz, um mundo em que as relações espaciais entre objetos fossem idênticas às que valem em nosso mundo — exceto que direita e esquerda fossem invertidas, ou que todos os tamanhos fossem multiplicados por dois, ou que tudo fosse deslocado por uma translação — seria indistinguível do nosso mundo, mesmo para Deus: em outras palavras, esses mundos seriam de fato um e mesmo mundo. Contra Newton, Leibniz foi assim um estruturalista radical, ou um precursor de um raciocínio relativista, o que é equivalente. Para Weyl, a noção de grupo de transformação torna-se mesmo equivalente à noção de identidade.
                   Queremos voltar a Lévi-Strauss mostrando como essa concepção leva a uma forma peculiar de relativismo antropológico. Nos grupos de transformação tratados pela Antropologia estrutural objetos são, por exemplo, sistemas de parentesco e mitos. Transformações são simetrias que levam de um mito a outro, de um sistema de parentesco a outro. Objetos ainda mais gerais foram sugeridos em O pensamento selvagem: transformações ligando sociedades distintas, ou sub-sistemas delas, e operando sobre sistemas cognitivos, econômicos, estéticos. Já em l945 Lévi-Strauss tratou "átomos de parentesco" de um conjunto de sociedades distintas como parte de um único grupo de transformações.
                    Sob essa perspectiva, não há objetos privilegiados. Qualquer mito pode ser o ponto de partida para a obtenção do grupo inteiro de transformações. As propriedades relevantes são justamente aquelas igualmente válidas ao longo dessas transformações . Em certo sentido, portanto, essas são as propriedades válidas em todos os sistemas de referência: as que não dependem da posição do observador, de sua escala de medida, de sua orientação, de seus valores. O estruturalismo descreve invariância nos objetos ou, dualmente, invariância entre observadores.
                   O estruturalismo é, sob esse ponto de vista, relativista, mas não no sentido do relativismo cultural que afirma o caráter irredutível das diferenças culturais (cada cultura bebeu de uma água distinta). É-o antes num sentido análogo ao que os físicos têm em mente ao falar de relatividade de uma teoria física. Pois, nesse sentido, relatividade não implica em declarar que "tudo é relativo" (cada observador teria "suas leis" irredutíveis), mas, ao contrário, identificar o grupo das transformações que permite expressar o que é invariante. Os invariantes de uma teoria são preservados em todo sistema de referência. Sem invariantes sob alguma tradução reina o solipsismo, não o relativismo. Traduzem-se assim as observações feitas de um "ponto de vista" em observações feitas de outro "ponto de vista", e mantendo a forma (se não o fraseado) de ambas as observações (seria como relacionar as observações do quadrado visto de diferentes ângulos). A diversidade torna-se compatível com a unidade.
                Levando essa idéia ao extremo, chegamos a uma tese mais geral. As propriedades que caracterizam a mente humana são invariantes ao longo das transformações que levam de uma sociedade a outra. Tais transformações são reversíveis e nos conservam no domínio do humano, e nessa medida constituem um grupo. Não há origem, nem sentido, nem escala privilegiada para a humanidade. A natureza humana radica, por assim dizer, num grupo de transformações .

(Autor não conheço) e a fonte é duma apostilha sem identificação!

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