quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Política mundial de drogas ilícitas: uma reflexão histórica...

O consumo de substâncias psicoativas sempre possuiu caráter gregário. Isto provocou, desde as primeiras civilizações, o aparecimento de normas e convenções sociais para regular a produção, a distribuição e o modo do consumo (Escohotado, 1995). O Código de Hamurabi punia com pena de morte os donos de tabernas que adulterassem o vinho. Entre os incas, o consumo de folhas de coca era um privilégio dos nobres, ficando o uso pelos servos e soldados condicionado à autorização real. Boa parte dos alucinógenos, como a psilocibina, a mescalina e a dimetiltriptamina (DMT), era consumida dentro de rituais sagrados, regulados pelos líderes religiosos de cada comunidade (Escohotado, 1995; Cashman, 1980).

A partir das Grandes Navegações (século XVI), os europeus entraram em contato com um grande número de substâncias psicoativas e as introduziram progressivamente em suas sociedades, com finalidades médicas ou recreativas (Escohotado, 1995). Durante o século XIX, a Europa e os Estados Unidos conviviam com uma grande variedade de novas drogas, com as quais tinham pouca ou nenhuma identificação cultural (Musto, 1987). A descoberta da destilação do álcool levou ao surgimento de bebidas mais concentradas, que somada à industrialização e a crescente exclusão social urbana, desencadeou uma série de complicações clínicas, psiquiátricas e sociais sem precedentes na história (Edwards, 2003). O tabaco, planta originária das Américas, também passou por processo semelhante (Gately, 2002). 

Paulatinamente, da Expansão Européia à Revolução Industrial, as substâncias psicoativas deixaram de ser consideradas elementos divinatórios e lustrais, reguladas por rituais religiosos, para se converterem em produtos comerciais. O marco deste processo foram as Guerras do Ópio (1839 – 1841), a partir das quais os ingleses garantiram o monopólio internacional, consolidaram o domínio britânico no Extremo Oriente e implementaram a prática comercial de substâncias psicoativas em larga escala (Passetti; 1991). 

A partir do século XIX, dentro do contexto sócio-cultural de cada nação, a popularização do consumo desses ‘novos produtos’ (desprovidos de qualquer ‘lastro cultural’ que funcionasse como mecanismo de controle informal de seu consumo) acarretou uma série desdobramentos e impactos sociais, tais como relatos de overdose, complicações crônicas à saúde e o desmantelamento de hábitos sociais locais tradicionalmente instituídos (Musto, 1987; Escohotado; 1995). 

Essa novidade culminou na elaboração de políticas públicas, com o intuito de solucionar os prejuízos causados pela massificação do consumo de substâncias psicoativas. Dois fatores contribuíram para o seu surgimento. Em primeiro, já havia uma crescente conscientização por parte das nações industrializadas acerca da importância do saneamento, da vacinação e da universalização do atendimento médico como mecanismos efetivos para a prevenção de doenças e melhoria do estado de saúde da população. Nascia, assim, o conceito de Saúde Pública (século XIX), tendo nas políticas públicas os instrumentos mais adequados para efetivá-la (Gordon; 1995). Em segundo, observações clínicas passaram a relacionar cada vez mais as drogas ao surgimento de doenças e hábitos alterados de consumo (abusos). No início do século XX, Emil Kraepelin (1856-1926), destacava o tratamento do alcoolismo e do abuso da morfina e da cocaína, como “os mais proveitosos pontos de ação médica no combate à insanidade” (Millon, 1979), tendo em vista a existência de um agente causal. Desse modo, o consumo de drogas passou a ser considerado como causa de morbidade, merecendo ações de saúde como qualquer outra doença.

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